27 de mai. de 2008

Ainda os sertões. embora outros

Ali começa o sertão chamado bruto.
Pousos sucedem a pousos, e nenhum teto habitado ou em ruínas, nenhuma palhoça ou tapera dá abrigo ao caminhante contra a frialdade das noites, contra o temporal que ameaça, ou a chuva que está caindo. Por toda a parte, a calma da campina não arroteada; por toda a parte, a vegetação virgem, como quando aí surgiu pela vez primeira.

A estrada que atravessa essas regiões incultas desenrola-se à maneira de alvejante faixa, aberta que é na areia, elemento dominante na composição de todo aquele solo (...).

Essa areia solta, e um tanto grossa, tem cor uniforme que reverbera com intensidade os raios do Sol, quando nela batem de chapa. Em alguns pontos é tão fofa e movediça que os animais das tropas viageiras arquejam de cansaço, ao vencerem aquele terreno incerto, que lhes foge de sob os cascos e onde se enterram até meia canela. (pag. 8 - 9)

Descrever cenas

Entrando familiarmente pela sala adentro, os bacorinhos se haviam abrigado dos ardores do dia e, deitados debaixo de uns jiraus, ressonavam, presas de gostoso sono.

Tudo quanto vivia apetecia a sombra e o repouso. Fora, o Sol reverberava violento em seus fulgores, e as sombras das árvores iam cada vez mais diminuindo. Até uma égua com o esguio e peludo poldrinho deixara o distante pasto e viera abrigar-se, à proteção da casa, junto à qual parara já meio a cochilar.

À enervadora ação do calor estival, juntavam sua influência as monótonas modulações de umas chulas e modinhas, cantadas ao som da viola de três cordas pelos camaradas de Cirino, acomodados no rancho junto ao paiol de milho. (p. 140)

26 de mai. de 2008

Uruçuí, de onde as notícias chegam

Jornal Nacional - quinta-feira, 22/05/2008

No sul do Piauí, um grupo de gaúchos comprou terras de pequenos agricultores e investiu no plantio de soja. O local atraiu centenas de imigrantes. A safra desta ano passa de 780 mil toneladas.



E os antigos proprietários das terras, como estão hoje? Mudaram para as cidades da região, ou continuam trabalhando no campo? A reportagem mostra um trabalhador que opera uma colheitadeira, mas quantos hoje são qualificados para o trabalho e há mesmo vagas para todos? A matéria também mostra um novo bairro em Uruçuí, com boas casas, onde moram os imigrantes do Centro-Sul do país, mas e o resto da cidade, como está?

E as dificuldades dos grandes produtores? Com a estiagem dos anos anteriores e as intensas chuvas deste ano, a produção ainda está aquém do esperado? E os gargalos de infra-estrutura da região, como a falta de estradas trafegáveis? Todas as terras já estão regularizadas? A maioria dos grandes produtores se mudaram de fato para o Piauí ou administram suas propriedades à distância?

Essas e outras questões (inclusive a ambiental) ainda precisam ser esclarecidas.

20 de mai. de 2008

Quais são os preços do progresso?

O Estado de S. Paulo (Aliás)- domingo, 18/05/2008

A nova face da questão agrária

"Sub-repticiamente, na lógica própria do agronegócio empresarial, grandes conglomerados econômicos e financeiros internacionais descobriram a mina de ouro representada pela renda da terra no Brasil. Estão comprando e arrendando grandes extensões de terra da país, seja para revenda com a valorização especulativa, seja para produção de grãos, como soja e milho, para exportação. comparativamente baratas, em relação às do Estados Unidos, as terras brasileiras podem produzir com baixos custos brasileiros mercadorias vendidas a altos preços internacionais. O investidor obtém, assim, um lucro extraordinário com a chamada renda diferencial da terra. Mas ao mesmo tempo transfere para os consumidores os custos decorrentes da elevação do preço da terra estimulado pelo aumento da procura."

José de Souza Martins, professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP, autor de A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008)

Enquanto isso...

TV Canal 13 Online, 17/05/2008 10h40

Biocombustíveis atraem investidores estrangeiros para o Piauí

O governador Wellington Dias estará em São Luís no dia 23 de maio, juntamente com os governadores do Maranhão, Jackson Lago, e do Tocantins, Marcelo Miranda, para assinar um Termo de Intenções para construção de um Etanolduto, que ligará os três estados de forma a contribuir com o escoamento da produção do etanol para o exterior, através do Porto de Itaqui, no Maranhão.

A notícia só reforça a certeza de uma perspectiva de crescimento no setor de biocombustíveis no Piauí. De acordo o superintendente de Relações Internacionais, Sérgio Vilela, alguns fatores provocam uma procura de investidores estrangeiros pelo biocombustível em lugares como a África e o Brasil. Aqui, algumas regiões são mais procuradas do que outras. “Maranhão, Piauí, Bahia e Tocantins são estados muito procurados por terem muita área para produção, diferente de outras áreas no Sul e Sudeste do país”, explica o superintendente.

Os investidores sabem disso e têm procurado mais informações sobre as potencialidades destas regiões, com intenções de se instalarem efetivamente. “Os nossos maiores problemas são de infra-estrutura (estradas, ferrovias, hidrovias e portos). No entanto, com alguns projetos já aprovados e muitas obras em execução, a projeção é de que até 2010 teremos mais estrutura para apoiar estes investimentos”, frisa Vilela.

No Piauí, mesmo com essas deficiências, investidores de mais de 10 países, como Portugal, Holanda e Itália, já desenvolvem no Estado projetos concretos na área de produção, que agora não e só do biocombustível, mas também de alimentos. Fatores como muitas terras baratas e disponíveis, muita água, sol e incentivos fiscais servem como atrativos. “Hoje existe uma crise de alimentos no mundo, por isso estes investidores são atraídos para cá, especialmente para o ramo de grãos”, destaca.

É o caso da empresa Perfil Agropecuária que está instalando uma usina de beneficiamento de arroz na região dos cerrados. Outra empresa, a Comanche Clean Energy, firmou há cerca de uma semana um protocolo de intenções para produzir o biodiesel e daqui a um ano já começa o processo de instalação da usina de etanol (álcool combustível). A Bunge, empresa holandesa que já está há algum tempo, também é um exemplo. “Uma empresa italiana assinará um protocolo, no final deste mês, para instalar na região do Parnaíba uma usina para produção de etanol e biodiesel”, acrescenta.

(...) Os países europeus e os EUA precisam produzir cada vez mais por conta do crescimento mundial, mas não têm mais terra, por isso o Brasil e mais especificamente o Piauí são tão favoráveis para eles. “É um quadro mundial que favorece essa procura pelo Piauí e por outros estados no centro no Brasil”, finaliza.

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É a bem vinda a contínua chegada do 'Progresso' tipo exportação. Mas, enquanto a riqueza produzida no Piauí só aumenta, os piauienses têm ganhado o quê com isso?

Faltam 47 dias para a viagem.

12 de mai. de 2008

Os desafios de produzir na região

G1, 14 de abril de 2008

Duas matérias de Fernando Scheller contam as dificuldades que enfrentam os grandes fazendeiros em Uruçuí. A primeira delas - Produtores de grãos multiplicam área plantada no cerrado nordestino -, mostra como os "gaúchos" - como são conhecidos os novos agricultores na região - multiplicaram em até dez vezes a área plantada no estado.

Segundo uma estimativa do Banco do Nordeste, a colheita de grãos na região deve crescer quatro vezes nos próximos anos, passando de 5 para 20 milhões de toneladas por ano. No entanto, os fazendeiros enfrentam dificuldades para escoar a produção, pois todas as estradas da região se encontram em situação precária.

Mas este não é o único problema para o grandes proprietários. A segunda matéria - Terras do Piauí estão em processo de legalização, dizem agricultores -, também coloca a irregularidade das chuvas e a insegurança jurídica como outros impecílios à produção.

A região acaba de passar por várias inundações, mas nunca se pode descartar a possibilidade de uma seca na próxima safra. De outro lado, grande parte das terras da região ainda necessitam de regulamentação, pois pertencem ao Estado.

Os agricultores que foram para o Piauí reivindicam.
O governo promete mais infra-estrutura e a legalização das terras de cultivo, mas com o clima não há como brigar.

E as populações locais? Pedem o quê?
E em quê podem ser atendidas?

Vamos lá descobrir...

10 de mai. de 2008

Progresso X Devastação

Revista Rolling Stone, número 19 - abril de 2008

Grata surpresa.
A revista traz a reportagem A devastação do Piauí, com cinco páginas sobre o impacto ambiental do recente progresso econômico no sudoeste do estado. Justamente na região para onde vou.

O repórter Maurício Monteiro Filho aborda duas questões principais: o desmatamento da Serra Vermelha pela empresa JB Carbon e o uso extensivo de lenha na usina da Bunge, em Uruçuí. As empresas são alvo de processos no Tribunal Regional Federal da 1ª Regão, que inclusive embargou as operações de ambas no final de março. Também na região, preocupa o grande crescimento de carvoarias nos municípios de Corrente, Parnaguá e Cristalândia do Piauí.

Além disso, há a estreita relação entre as indústrias que promovem a devastação e lideranças políticas locais, para quem o progresso econômico parece ser defensável a quaisquer custos. Inclusive aventando idéias da separação da região e a criação de um novo estado: o Gurguéia.

No entanto, a reportagem se restringe a contar as denúncias e ouvir o contraditório, ou seja, os representantes dos industriais e os governantes locais. Um ótimo banco de dados de fontes oficiais, mas faltou mostrar as pessoas que ali vivem e como convivem com este dilema de apostar as fichas e depender de um progresso que pode acabar com as riquezas naturais de sua terra.

Para isso, aí vamo nós.

9 de mai. de 2008

As caatingas

Então, a travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe nua.
Nesta, ao menos, o viajante tem o desafogo de um horizonte largo e a perspectiva das planuras francas.

Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estonteia-o; enlaça-o na trama espinescente e não o atrai; expulsa-o com as folhas urticantes, com o espinho, com o gravetos estalados em lanças; e desdobra-se-lhe na frente léguas e léguas, imutável no aspecto desolado: árvores sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltos, entrecruzados, apontando rijamente no espaço ou estirando-se flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de tortura, de flora agonizante... (p. 46)

Calor, calor...

Águas sertanejas

O maior rio do Piauí é o Parnaíba com aproximadamente 1.716 km de extensão, servindo como divisa natural com o Maranhão. O rio teve seu curso modificado nas proximidades da cidade de Guadalupe, formando a represa de Boa Esperança onde passou a existir um grande lago artificial.

Os principais afluentes do Parnaíba deste lado da divisa são: Longá, Poty, Canindé, Gurguéia, Piauí, Itaueira e Uruçuí-Preto.

No entanto, a maioria dos rios piauienses são intermitentes, ou seja, secam durante um período do ano.

Aquíferos

Os principais aquíferos sob o Piauí são: Urucuia/Areado, Poti-Piauí,Barreiras, Cabeças e Cristalino Nordeste.

No sudoeste do estado, por meio de poços artesianos, a água subterrânea é bastante utilizada na irrigação das lavouras.

8 de mai. de 2008

Como fazer reportagem - escrita, parte 2

Inserir-se na cena

.Refletir sobre o que se está fazendo: ter presente que quem faz a pesquisa e observa é por sua vez objeto de observação.

.Revelar as próprias emoções: ao se descrever um episódio do qual se tomou parte, descrever os sentimentos experimentados.

.Citar histórias de vida: ouvir e colher dados autobiográficos e publicar um deles, para mostrar como são narrados; mencionar as perguntas e descrever o contexto da narrativa e da conversa.

Conselhos de escrita

.Pensar em um quadro: imaginar estar pintando um quadro, com detalhes e cores.

.Recorrer à ajuda de fotografias: ao descrever um lugar, uma situação ou uma personagem, ter uma fotografia sob os olhos.

.Citar diálogos: narrar uma conversa, usando discurso direto.

.Citar contos: ao relatar histórias ouvidas de outros, deixar falar o narrador, ou alternar a própria voz com a dele.

.Confrontar passado e presente: descrever um lugar, lembrando como era há algum tempo e como se transformou, utilizando descrições de viajantes e reminiscências dos habitantes.

.Comparar lugares desconhecidos a outros conhecidos: fazer com que o leitor possa imaginar um lugar que não conhece.

Últimas coisas

Pensar onde publicar.

Pensar como comemorar.

Pensar na próxima viagem.

Como fazer reportagem - escrita, parte 1

Superar as dificuldades iniciais

.Não protelar: escrever enquanto as impressões ainda estão vivas.

.Entender a razão de não conseguir escrever: não pontificar nem esconder a verdade.

Dar forma ao livro

.Incipit: começar o livro pela chegada ao lugar da pesquisa e pelas impressões obtidas nos primeiros momentos.

.Relatar a viagem: contar a viagem do início ao fim, e, durante o percurso, descrever lugares e situações, não obrigatoriamente ligadas ao tema da pesquisa, mas deixando aflorar as lembranças.

.Estrutura em capítulos: depois de narrar a viagem, tratar separadamente temas isolados, subdividindo-os em novos capítulos.

Objetividade

.Indicar as fontes: dizer de onde são extraídas as informações e precisar se o seu conhecimento é direto.

.Verificar a confiabilidade: entender como as fontes foram produzidas.

.Comparação: confrontar as fontes mais variadas, recorrendo até à própria experiência.

.Explicar as defasagens entre perguntas e repostas: as respostas mais interessantes às vezes podem ser as falsas ou aproximativas, como também a ausência de resposta.

.Citar documentos: a título de exemplo, transcrever ou reproduzir uma informação.

.Nada de panegíricos: dizer as coisas como são, citando dados de fato, para permitir a qualquer um a possibilidade de formar opinião e expressar um julgamento.

.Expressar a própria opinião: se algo não agrada, deve ser dito.

Veracidade

.Fazer retratos: descrever o aspecto de uma pessoa.

.Descrever cenas: rememorar uma situação, com personagens, ambiente e fundo.

O sertão vai virar mar, de soja...



Lavoura em Uruçuí, PI.

Como fazer reportagem - trabalho de campo, parte 2

Observar

.Realizar vistorias: visitar um lugar em hora apropriada para ver como normalmente funciona.

.Prestar atenção nos boatos: dar ouvidos aos mexericos e verificar se procedem, explicar porque os falsos boatos são tidos como verdadeiros.

.Curiosidade pelos grafitos: perguntar-se por que escrevem nos bancos e nas paredes.

.Observar os sinais de diferença social: formas de tratamento, tirar o chapéu, subdivisão de espaços, detalhes da roupa, sinais físicos.

.Reparar na toponímia: prestar atenção no significado dos nomes de lugares e vias.

.Observar os sinais do passado: perguntar-se se o aspecto dos edifícios, a mobília das casas e as conversas das pessoas mantêm a lembrança do passado, e de que modo.

.Usar o olfato: sentir os odores, especificar sua procedência, descrevê-los com palavras de uso comum, estabelecer sua composição química.

.Usar a audição: perceber ruídos, sons e vozes de fundo.

.Usar o tato: tocar com as mãos.

.Usar o paladar: saborear a comida.

Coletar dados

.Consultar fontes escritas: folhear relatórios, atas oficiais, listas, regulamentos e cartas particulares; deduzir os costumes pelos vetos que os proíbem.

.Guardar papéis, catálogos e folhetos: quando possível, pegar e guardar cuidadosamente documentos escritos, folhetos e propagandas.

.Estudar o clima: analisar tabelas meteorológicas, coletar opiniões, relatar a própria experiência, estabelecer comparações entre zonas diferentes; mostrar a influência do clima na vegetação, nas colheitas e no humor.

.Fazer um recenseamento: na falta de fontes confiáveis, fazer recenseamento é útil, não tanto pelos dados estatísticos que pode oferecer, mas por permitir entrar nas casas e encontrar gente.

.Não fazer entrevistas, mas conversar: conversar com quem se encontra na rua, com quem está trabalhando, ou na casa de alguém tomando um chá.

.Levar em conta as crianças: conversar com as crianças e observar suas brincadeiras para compreender, entre outras coisas, o mundo dos adultos.

.Numerar: contar, medir, pesar.

.Redigir inventários: fazer listas de objetos e instrumentos.

Como fazer reportagem - trabalho de campo, parte 1

Requisitos

.Um bom par de sapatos: não economizar nas botas.

.Caderno de anotações: ter sempre uma caderneta onde anotar dados, observações, modos de dizer e onde transcrever declarações e eventuais entrevistas.

.Disponibilidade para mudar de idéia: estar preparado para rever opiniões baseadas em leituras e expectativas.

Viajar

.Não desanimar: não se deixar vencer pelas dificuldades iniciais e pelo medo do imprevisto.

.Não planejar demais: às vezes, deixar nas mãos do acaso pode revelar-se útil, principalmente se o lugar é desconhecido.

.Aceitar convites: ir a almoços, observar a arrumação da mesa e a comida, ouvir as falas dos convidados e participar da conversação.

.Caminhar: passear sozinho ou acompanhado, para refletir e ver as coisas com distanciamento.

.Olhar ao redor: durante o percurso, observar com atenção.

.Fazer excursões: viajar a pé, acompanhado, seguindo percursos fora de mão.

.Fazer-se acompanhar: aceitar a ajuda de quem pode servir de mediador, principalmente quando faltam a força ou a possibilidade de fazê-lo por si mesmo.

.Desenvolver atividades práticas: fazer alguma coisa como passatempo ou, se houver oportunidade, executar um trabalho conhecido pode ajudar na observação.

.Participar de festas: observar preparativos, rituais e participantes; apreender a ambiência.

.Assistir a um casamento: observar as vestimentas, idades, rituais, conversas e papéis sociais; adivinhar sentimentos.

.Visitar cemitérios: observar túmulos e cruzes, anotar as inscrições, assistir a um enterro.

.Mudar de lugar: para vencer o cansaço da pesquisa, deslocar-se para outra parte.

Com fazer reportagem - preparativos

.Mudar de ares: viajar para vencer a preguiça, sem a expectativa de ter de escrever.

.Conversar a respeito com os amigos: esclarecer para si mesmo motivos e objetivos da pesquisa, trocando opiniões com pessoas próximas.

.Reagir à indiferença: estudar coisas que ninguém estuda, ir ver pessoalmente coisas que ninguém vê.

.Ler e resumir: procurar publicações e fazer fichas, pedir auxílio e livros emprestados. Ler de tudo, mas deixar de lado textos que não mencionam dados de fato.

.Escrever as partes compilativas: escrever os trechos que não dependem de pesquisa de campo, utilizando leituras, fichamentos e resumos; examinando mapas geográficos e descrevendo como um território foi representado no decorrer do tempo.


...e, por quê não, escrever um blog?

7 de mai. de 2008

Outros sertões, distantes ou não

Revista Brasileiros, número 8 - março de 2008

Na reportagem Nas pegadas de Rosa, Fernando Granato foi ao interior de Minas Gerais para descobrir o lugar e os personagens que inspiraram Guimarães Rosa no conto Sarapalha, de Sagarana. E no sertão mineiro, na pequena cidade de Pará dos Vilelas, encontrou na fazenda que inspirou o autor uma dupla de idosos que, como os do livro, permanecem isolados na proximidades um lugarejo abandonado.

O ensaio Sertão - a forte palavra de Patrus Ananias analisa em dez páginas o uso do termo no livro Grande Sertão: Veredas, em seus significados geográficos, sociais e filosóficos.

Mais interessante ainda é a reportagem Piauí abre passagem, de Saturnino Braga, aquele que já foi prefeito do Rio de Janeiro. Durante cerca de um mês, ele percorreu o Piauí para onde não vou, do Delta do Paranaíba, no litoral, para a Serra da Capivara, ali naquela barriguinha a leste do estado.
Passando por Teresina e a antiga capital Oeiras, o político aproveita para contar a história do Piauí desde a chegada tardia dos primeiros colonizadores e além, nas pinturas rupestres de 10 mil anos na Serra, marcas dos primeiros piauienses de fato.

E para encerrar uma reportagem de Patrícia Cornils em Juruti, no oeste paraense, onde a exploração de bauxita pela gigante do alumínio Alcoa tem movimentado milhões de dólares enquanto a cidade continua na miséria, sem ao menos ter saneamento básico. Alguma semelhança com os outros enclaves brasileiros?

Um achado esta edição, sem dúvida. O projeto agradece.

O martírio secular da terra

Nenhum pioneiro da ciência suportou ainda as agruras daquele rincão sertanejo, em prazo suficiente para o definir.
(...) Rompendo, porém, a região selvagem, desertus australlis, como a batizou, mal atentou para a terra recamada de uma flora extravagante, silva horrida no seu latim alarmado. Os que o antecederam e sucederam, palmilharam, ferretoados da canícula, as mesmas trilhas rápidas, de quem foge. De sorte que sempre evitado, aquele sertão, até hoje desconhecido, ainda o será por muito tempo. (p. 36)




Vingando um cômoro qualquer, postas em torno as vistas, perturba-as o mesmo cenário desolador: a vegetação agonizante, doente e informe, exausta, num espasmo doloroso...
É a silva aestu aphylla, a silva horrida, de Martius, abrindo no seio iluminado da natureza tropical um vácuo de deserto.
Compreende-se, então, a frase paradoxal de Aug. de Saint-Hilaire: “Há, ali, toda a melancolia dos invernos, com um sol ardente e os ardores do verão!”
A luz crua dos dias longos flameja sobre a terra imóvel e não a anima. (p. 54)

Roteiro de Viagem - Volta

26 e 27 de Julho de 2008

de Uruçuí,PI a Brasília
Distância: 1770 km


1º dia: Uruçuí,PI a Palmas,TO

Distância: 778 km
Tempo de viagem: 10 horas e 30 minutos

Previsão de parada:
Araguaína,TO - para almoço


2º dia: Palmas,TO a Brasília

Distância: 891 km
Tempo de viagem: 10 horas e 45 minutos

Previsão de parada:
Arraias,TO - para almoço

Pelo caminho

Ao longo do caminho central, surgem outras localidades. Usando os cidades principais como base, visita-se estes outros locais enquanto a viagem prossegue.

Cidades (do Sul para o Norte):

Júlio Borges
Riacho Frio
Barreiras do Piauí
Santa Filomena
Santa Luz
Palmeira do Piauí
São Francisco das Chagas
Serra Vermelha
Pratinha
Ribeiro Gonçalves

Uma vida de repórter

É esta a função do repórter: mostrar a nossa realidade para que as pessoas tenham elementos capazes de transformar esta mesma realidade, reagir diante dela, se quiserem. O resto é burocracia, propaganda ou literatice, não tem nada a ver com jornalismo. Complicaram muito as coisas, mas jornalismo é uma arte muito simples: um repórter e um fotógrafo na rua, mentes e corações bem abertos, contando as histórias do dia-a-dia da vida. (p. 105)

Caminho central

Este é o roteiro mais importante da viagem, a principal artéria do projeto.
Ao longo deste caminho central, parte-se em direção às outras localidades da região.

Cidades (do Sul para o Norte):

Cristalândia do Piauí
Corrente
São Gonçalo do Gurguéia
Gilbués
Redenção do Gurguéia
Bom Jesus
Cristino Castro
Alvorada do Gurguéia
Colônia do Gurguéia
Manoel Emidio
Bertolínia
Sebastião Leal
Uruçuí

6 de mai. de 2008

Roteiro de Viagem - Ida

12 de Julho de 2008

de Brasília a Formosa do Rio Preto (divisa da Bahia com o Piauí)
Distância: 772 km
Tempo de viagem: 9 horas

Previsão de paradas

Posse, GO - Posto do Rosário, para almoço
Barreiras, BA - para lanche

Chegada

A intenção é prosseguir mais 150km até Corrente, passando por Cristalândia do Piauí, a primeira cidade ao Sul do estado.

4 de mai. de 2008

O sertanejo

O sertanejo é, antes de tudo, um forte.Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.

É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente acurvada, num manifestar de displicência, que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo -- cai, é o termo -- de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável.

É o homem permanentemente fatigado.

Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene em tudo: na palavra demorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à mobilidade e à quietude.

Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.

Nada é mais surpreendente do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes, aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu achamboado, reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento inesperado de força e agilidade extraordinárias.

Este contraste impõe-se à mais leve observação. Revela-se a todo o momento, em todos os pormenores da vida sertaneja -- caracterizado sempre pela intercadência impressionadora entre extremos impulsos e apatias longas.

É impossível idear-se cavaleiro mais descuidado e deselegante; sem posição, pernas coladas no bojo da montada, tronco pendido para a frente e oscilando à feição da andadura dos pequenos cavalos do sertão, desferrados e maltratados, resistentes e rápidos como poucos. Nesta posição indolente, acompanhando morosamente, a passo, pelas chapadas, o passo tardo das boiadas, o vaqueiro preguiçoso quase transforma o campeão que cavalga na rede amolecedora em que atravessa dois terços da existência.

Mas se uma rês "alevantada" envereda, esquiva, adiante pela caatinga "garranchenta", ou se uma ponta de gado, ao longe, se tresmalha, ei-lo em momentos transformado, cravando os acicates de rosetas largas nas ilhargas da montaria, e partindo como um dardo, atufando-se velozmente nos dédalos inextricáveis das juremas.

Vimo-lo neste steeple-chase bárbaro.

Não há contê-lo, então, no ímpeto. Que se lhe antolhem quebradas, acervos de pedras, coivaras, moitas de espinhos ou barrancas de ribeirões, nada lhe impede encalçar o garrote desgarrado, porque "por onde passa o boi, passa o vaqueiro com o seu cavalo..."

Colado ao dorso deste, confundindo-se com ele, graças à pressão dos jarretes firmes, realiza a criação bizarra de um centauro bronco: emergindo inopinadamente nas clareiras; mergulhando, adiante, nas macegas altas: saltando valos e ipueiras; vingando cômoros alçados; rompendo célere pelos espinheiros mordentes; precipitando-se a toda brida, no largo dos tabuleiros...

A sua compleição robusta ostenta-se nesta ocasião, em toda a plenitude. Como que é o cavaleiro robusto que empresta vigor ao cavalo pequenino e frágil, sustendo-o nas rédeas improvisadas de caroá, suspendendo-o nas esporas, arrojando-o na carreira - estribando curto, pernas encolhidas, joelhos fincados para a frente, torso colado no arção - "escanchado no rastro" do novilho, esquivo: aqui curvando-se agilíssimo, sob uma galhada, que lhe roça quase pela sela; além desmontando de repente, como um acrobata, agarrado às crinas do animal, para fugir ao embate de um tronco percebido no último momento, e galgando, logo depois, num pulo, o selim; - e galopando sempre, através de todos os obstáculos, sopesando à destra, sem a perder nunca, sem a deixar no emaranhado dos cipoais, a longa aguilhada de ponta de ferro encastoado em couro, que por si só constituiria, noutras mãos, sérios obstáculos à travessia...

Mas, terminada a refrega, restituída ao rebanho a rês dominada, ei-lo, de novo caído sobre o lombilho retovado, outra vez desgracioso e indolente, oscilando à feição da andadura lenta, com a aparência triste de um inválido esmorecido. (p. 118 - 121)

Fabiano

Olhou a catinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca chegasse, não ficaria planta verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente. Sempre tinha sido assim desde que ele se entendera. E antes de se entender, antes de nascer, sucedera o mesmo – anos bons misturados com anos ruins. Talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Ele marchando para casa, trepando a ladeira, espalhando seixos com alpercatas – ela se avizinhando a galope, com vontade de matá-lo. (p.23)




Tinha obrigação de trabalhar para os outros, naturalmente, conhecia o seu lugar. Bem. Nascera com esse destino, ninguém tinha culpa de ele haver nascido com um destino ruim. Que fazer? Podia mudar a sorte? Se lhe dissessem que era possível melhorar de situação, espantar-se-ia. Tinha vindo ao mundo para amansar boi brabo, curar feridas com rezas, consertar cercas de inverno a verão. Era sina. O pai vivera assim, o avô também. E para trás não existia família. Cortar mandacarus, ensebar látegos – aquilo estava no sangue. Conformava-se, não pretendia mais nada. (p. 96)

Geograficamente falando

Microrregião das Chapadas do Extremo Sul Piauiense

Avelino Lopes
Corrente
Cristalândia do Piauí
Curimatá
Júlio Borges
Morro Cabeça no Tempo
Parnaguá
Riacho Frio
Sebastião Barros

Microrregião do Alto Médio Gurguéia

Alvorada do Gurguéia
Barreiras do Piauí
Bom Jesus
Cristino Castro
Currais
Gilbués
Monte Alegre do Piauí
Palmeira do Piauí
Redenção do Gurguéia
Santa Luz
São Gonçalo do Gurguéia

Microrregião de Bertolínia

Antônio Almeida
Bertolínia
Colônia do Gurguéia
Eliseu Martins
Landri Sales
Manoel Emídio
Marcos Parente
Porto Alegre do Piauí
Sebastião Leal
Serra Vermelha

Microrregião do Alto Parnaíba Piauiense


Baixa Grande do Ribeiro
Pratinha
Ribeiro Gonçalves
Santa Filomena
Uruçuí

3 de mai. de 2008

Vídeo do Governo do Piauí



No vídeo dá para ver os pivôs de irrigação na região para onde vou.
Realmente, a produção é cada vez maior no estado, principalmente no sudoeste (menos em 2008, por causa das enchentes).
Mas será mesmo que esse crescimento é para todos?

Vamos lá para descobrir se é assim mesmo.

O projeto

O sudoeste do Piauí, dividido em várias micro-regiões com características semelhantes, apresenta um recente e relativo desenvolvimento agrícola, principalmente no cultivo de grandes áreas irrigadas. Porém, na mesma região ainda há a mais miserável das pobrezas, na total falta de recursos, sendo o acesso à água o mais atroz.

Historicamente voltada à subsistência em pequenas propriedades, a produção de alimentos na região se transformou com a chegada de grandes fazendeiros, já proprietários de terras mais ao sul do país, com o cultivo principalmente voltado à exportação de grãos e frutas.

No entanto, as transformações não chegaram à estrutura administrativa local, nem acarretaram mudanças significativas no padrão de vida da população nativa. As grandes propriedades se apresentam como verdadeiros enclaves na região, uma vez que toda a lavoura emprega de tecnologia que exige mão-de-obra qualificada e o escoamento da produção é imediato. Impostos à parte, toda a renda e os lucros do cultivo são enviados para fora, e desta forma o comércio e a atividade industrial nas pequenas cidades da região não são estimulados.

As notícias sobre a região (e sobre o sertão nordestino como um todo) veiculadas na grande mídia têm duas formas bem características:

Ou se mostra a seca e o sofrimento dos sertanejos miseráveis que enfrentam a fome e a sede, ou se mostra a “surpreendente” produção agrícola em terras antes consideradas impróprias para o cultivo.

O projeto busca então relacionar estas duas realidades distintas, em um livro de reportagens que se distancia da cobertura factual da mídia nacional. Mais do que mostrar os impactos do último período de estiagem ou os números da última colheita, o objetivo é contar, por meio de depoimentos, a vida na região ao longo das últimas décadas. Ricos e pobres convivendo em um mesmo espaço, mas com claras fronteiras entre suas realidades. Portanto, o produto não se aterá a uma realidade de cada vez, mas sim à malha de contrastes que a sobreposição destas realidades cria.

2 de mai. de 2008

Piauí - Julho de 2008

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